domingo, 27 de abril de 2014

Compreendendo WUSHU - The Ancient Art Of Action Role-Playing

Inferimos que Daniel Bayn, o criador de "Wushu The Anciente Art of  Action Role Playing Game", tentou emular filmes de kung fu e talvez filmes da velha escola do cinema de ação de Hong Kong, observando a fotografia dinâmica desses filmes, um grupo que se dispussese a jogar um plano de 10 segundos de uma dessas películas, levaria boas quatro horas para obter a resoluções de suas ações, tantos são os processos que as regras exigem nos sistemas de rpg mais difundidos.
Wushu recebeu da comunidade um grande número de suplementos: Wushu: cut fu, Wushu: Wire Fu, Wushu Noir, Roanoke. E um update: Wushu Open Reaload. 
Daniel Bayn tentou emular uma árvore, mas acabou acertando uma floresta intereia, por seus elementos de referência extraiu algo mais estrutural, presente em um gênero mais amplo: o cinema de ação. A comunidade usou o sistema para expandi-lo a diversos gêneros: drama de guerra, super heróis, faroeste, ficção cientifica em geral, histórias policiais, histórias de horror pessoal. E para além, dando maiores explicações sobre o sistema original, vendo nele sentidos e possibilidades que nem o proprio autor havia vislumbrado, em Wushu  Open Reloaded há um exemplo em como usar o sistema entre uma competição de chefes de cozinha, para ver quem cozinha o bolo mais gostoso!

O JOGADOR VETERANO E O WUSHU

É o jogador veterano, aquele já familiariazado com o RPG o que encontra mais dificuldades com o sistema de Wushu. Por que isto acontece? Afinal de contas existe um sem número de jogos com sistemas mais exdruxulos, pitorescos e bizarros que wushu. Um desses sistemas seria o de "My Life With Master", ou mesmo "Nicotine Girls", até o  jogador que com desenvoltura joga estes jogos, simplesmente "trava" em Wushu. A simples razão é que tais jogos apesar de suas mecânicas pitorescas se dispõe a retratar temas e narrativas que os rpgs mais difundindos não tratam, a ações e eventos que os sistemas mais clásicos não cobrem. No caso de wushu, sua proposta original sendo a de retratar a ação, aqui sinônimo de um conflito violento, seu sistema se sobrepõem com o sistema de um sem número de outros jogos, dai a dificuldade de assimilação do novo sistema por jogadores e Gm's veteranos, eles já estão conicionados a todos os processos recorrentes de tantos outros rpg's, turnos, ataque e defesa, hit point, declaração de ação, evolução de personagens, lista prévia de ações com uma mecânica individualizada e etc...
Por isso é necessário uma maior explicação de certos aspectos do sistema, adicionando a compreensão advinda de cada novo livro onde os autores se debruçaram a estudar e exemplificar as regras do jogo, ou mesmo se expressaram sobre ela de maneira diferente e  a alteraram conforme suas necessidades criativas. Uma vez que o texto original é demasiadamente sucinto.
Vamos a eles:

 1 - O PRINCIPIO DA VERDADE NARRATIVA

Dispõe essa regra "tudo que o jogador fala acontece, no momento em que o jogador diz, exatamente como ele diz"
Mau expressado, torna-se um tanto obscuro no texto original, simplesmente isso significa que o poder criativo antes exclusivo a figura do GM agora é compartilhado com o jogador. De forma cristalina: o jogador é o GM no momento que faz a sua jogada, descrevendo os eventos como bem quiser... Num jogo clássico um Pc realiza seu ataque em um antogonista e o jogador pergunta ao GM "o que o vilão faz?", em wushu é o GM que devolve a pergunta ao jogador "me diga você , o que ele faz!".  Para jogadores que encontram dificuldade em ter o controle criativo em suas mãos, pode o GM adotar uma postura mais clássica na divisão de tarefas, reavendo o controle criativo para si.

2 - O Veto

O Veto é uma mecânica/regra que existe em todos os jogos de RPG, trata-se de negar a ação de um jogador durante o jogo, obrigando-o a adotar um outro curso de ação, esta regra está implicita em todo sistema de Rpg, WUSHU apenas a torna uma regra explicita, sua grande diferença é que o poder de vetar é centralizado na figura do GM, mas WuSHU compartilha este poder entre todos os participantes do jogo, tanto o Gm quanto os outros jogadores podem vetar a ação de outro jogador.
Existem três tipos de veto que surgem em uma partida de Wushu: O Veto Mecânico, O Veto de Plausibilidade e o Veto de Estilo.
O Veto Mecânico é o mais simples dos vetos, ocorre quando a ação de um jogador contraria o resultado dos dados, assim se um jogador não obteve sucessos suficientes para extinguir a vitalidade de um antagonista e mesmo assim declara "eu brando minha espada e decapito o monstro", esta resolução declarada é obviamente vetada. Este veto faz-se presente na maioria dos jogos de RPG, e parece uma redundância, acontece que em Wushu a regra chamada de "Príncipio da verdade narrativa" declara que um jogador tem total liberdade para narrar o que seu personagem faz quando realiza uma jogada...
O Veto de Plausabilidade, ao contrário, existe para contrariar o resultado de uma jogada de dados, assim se um personagem têm a característica "Escudo Eletromagnético que deflete projéteis de metais"  e um outro ente possui a característica "Balé de balas", em um confronto, um NPC ou personagem lança os dados relativo a sua característica "armas de fogo" e vence um personagem que possui "escudo eletromagnético defletor de projéteis de metais", ignora-se os dados e veta-se a resolução da ação, pois é plausível que os tiros contra ele disparados sejam automaticamente evitados. Enquanto em outros jogos de RPG novas e novas regras seriam criadas, dispondo algo como: "ESCUDO ELETROMAGNÈTICO: Ao escolher esta habilidade você não é atingido por projeteis de armas de fogo", Wushu não o faz, o veto de plausabilidade é uma ferramenta para continuamente criar tais regras ao curso de uma campanha. A outra função do Veto de Plausabilidade é restringir o uso de uma caracteristica, assim um jogador não poderá abritariarmente usar a característica "Kung Fu" para derrotar um antagonista que está "voando" a metros de distância em uma cena.
Por fim o mais importante, o Veto de Estilo, é a ferramenta mais poderosa do sistema na direção da emulação de um gênero, o Veto de Estilo ocorre quando a ação de um jogador não corresponde aos propósitos estéticos da campanha, geralmente visando a emulação de um gênero. Assim se o tema de uma campanha é que os jogadores tenham personagens baseados em super heróis da Era de Prata das revistas em quadrinhos, e um desses jogadores em combate decidir fazer um anti-herói, que mata os supervilões, sua ação é vetada. A aplicação deste veto é ainda mais ampla, podendo chegar a própria interpretação que um jogador faz de seu personagem quanto a criação de suas caracteristicas, negando a ele a característica "Ás com pistolas", em um jogo baseado em uma campanha baseada neste tipo de heróis mascarados. Como declarado em em Wushu Open Reloaded, para se jogar wushu é extramamente necessário que todos os jogadores estejam no mesmo nível e esclarecidos quanto ao que é o tema do jogo.

3 - O Coupe de Grace

Declara as regras de Wushu: "O jogador que causar o último dano ao nêmesis ganha o direito do "coupe de grace" ou descrever como o derrota".
A grande maioria dos jogadores trava durante o Coupé de Grace, afinal, por que "derrotar" um antogonista depois que ele já foi derrotado, ou "como assim, ele já ta derrotado quando o acertei?".
A resposta é simples, estética, o "Coupe de Grace" é a outra ferramenta de estilo mais poderosa do sistema de Wushu, esta regra desvincula o resultado lúdico, a jogada de dados, como ditame do resultado narrativo, permitindo que um combate siga seu curso de acordo com a proposta estética e temática, a despeito de obedecer o resultado do conflito mecânico em si...
Imagine que Star Wars fosse um rpg e Luke Skywalker derrotasse Darth Vader cedo demais, não veriamos o rosto de Dark Vader, não saberiamos que ele é pai de Luke, esta é a proposta do Coupe de Gracé, proteger um confronto em função de seu papel narrativo e temático.
Imagine que em um jogo ao estilo "Piratas e heróis de capa e espada", o combate se resolvesse já quando um dos jogadores atira com seu mosquete no capitão pirata, ora, as características do gênero exigem que este pirata ainda tome a donzela como refém e que o embate final seja um duelo de esgrima nos beirais do navio.
O Coupé de Grace da ao sistema de wushu um carater não representativo, assim uma jogada de dados não corresponde exatamente ao resultado de uma ação no universo ficticio do jogo, pode acontecer seção de jogo inteira durar duas horas, e essas duas horas serem um único Coupe de Grace, onde no inicio da seção, o combate, em termos de jogo, já ter sido vencido pelo jogador com aquele "tiro de mosquete que não acertou o vilão".

4 - YING e YANG DICE 

Quando joga os dados relativos a sua característica, o jogador divide sua parada de dados em YING e YANG, dados YING são usados para evitar que tome dano, dados Yang são usados para causar dano a um oponente.
Uma "característica"/trait no sistema de Wushu não tem qualidades intrinsicas de "Ataque" ou "Defesa", ao contrario essas qualidades são dadas pelo próprio jogador quando vai usá-la, é o jogador quem diz se a característica será usada como ataque ou defesa, de forma dinâmica, podendo ter tais qualidades totalmente invertidas quando a mesma característica for usada novamente em um outro momento.
Quando caracterísitcas genéricas são criadas tal regra não causa qualquer confusão, assim a "característica" "bom de briga" pode ser usada tanto para ataque quanto para defesa.
Quando características específicas são criadas, novamente os jogadores travam, afinal como pode o meu "escudo da liberdade" ser uma característica usada para o ataque, e como "rajadas lasers" pode ser usada para a defesa.
Se o "escudo da liberdade" vencer em um teste oposto contra um ataque qualquer, e o jogador tiver usado o "escudo da liberdade" como um ataque, uma das resoluções seguintes é a possível: "eu pulo e apanho meu escudo no chão enquanto ele dispara suas rajadas elétricas, me ergo e com todas minhas forças vou me aproximando do Caveira Azul enquanto ele aumenta a carga dos seus raios, o escudo deflete a todas as rajadas e quando estou perto disparo um gancho no queixo que o nocauteia, o Major Patriota vence outra vez" - Aqui uma ação dita ofensiva, porém tudo começou com o uso do "escudo da liberdade".
Agora ao caso oposto, uma "rajada laser" usada "defensivamente". "O cyborgue Voltron 29 avança com suas garras retrateis sobre mim, ativo a arma laser implantada no meu braço, e ele com o impacto vai perfurando prédios, indo parar a três quarteirões de distância". - Como isso foi uma ação defensiva? Simplesmente por que a rajada laser mecanicamente apenas impediu que o PC levasse o dano das "garras cybernéticas retrateis" do antagonista, este antagonista apesar de toda descrição na ação da violência que sofreu, nas regras do jogo não está com nenhum dano...
Assim ataque e defesa são paradigmas usados por diversos sistemas de rpg para emular um combate, trata-se de pura interpretação da ação dos personagens durante um conflito, Wushu rompe com tais paradigmas ao não dar a suas características tais qualidades.

5 - EVOLUÇÃO DO PERSONAGEM

Alguns Reviews apontam como a fraqueza do sistema de Wushu a ausência de regras para a evolução do personagem, o próprio livro assim declara: "ThE CHARACTER BEGIN BADAS AND STAY BADAS. THERE'S NO CHARACTER EVOLUTION".
Isso seria um ponto fraco, visto que muitas histórias e gêneros retratariam personagens que começam fracos e progressivamente vão ficando mais fortes.
Novamente uma má interpretação aqui, evolução do personagem é possível em Wushu e parece que até mesmo o autor não dá-se conta disto, seria muito dificil um designer fazer um sistema de regras com personagens estáticos onde não é possível a evolução do personagem.
Em Wushu a evolução do personagem não ocorre através da promoção no aumento da caracteristica dos personagens dos jogadores, mas na demoção das características dos NPCs, e na mudança de sua classe de "nêmesis" para "mook".
Assim se um PC cavaleiro Wuxia lê na campanha um pergaminho de sabedoria antiga e se ilumina, aumentando o nível de seu Kung Fu, poder-se-á tornar o "EVil Eunuco" da categoria de "Nêmesis" para "MOOk", ainda poderá diminuir os seus CHI POINTS, ou cortar-lhe as pontuações nesta caracteristicas.
Simplesmente pelo da evolução do personagem não ter nenhum aspeco visível na ficha de jogo, como são em sistemas mais clássicos, não significa que tal mecânica esteja ausente no sistema... Para além da demoção dos NPC's, a simples permuta de características que o sistema declara possível já tem em si aspectos de evolução do personagem...

Existem ainda muitas outras nuanças do sistema, como "uma característica de nível 5 é mais forte que uma característica de nível 2"? com certeza o termo "rules light" ou mesmo "casual" usado para descrever este sistema equivale a dizer que a lista telefônica é mais complexa que todos os outros tomos do mundo que a ela não se igualam no número de páginas.

sábado, 26 de abril de 2014

UMA TEORIA DO RPG

Ron Edwards, autor de livros de RPG e criador do forúm THE FORGE,  dedicado a auxiliar autores na criação de jogos e promover jogos alternativos, ele é também o primeiro a propor e formular uma "Teoria do RPG", mas o que seria uma Teoria do RPG?
O análogo mais próximo está na Teoria Literária, até o fim do séc. XIX o estudo literário era dominado pelo Historicismo, framework teórico cujas principais características eram a de estabelecer um cânone literário, listar e estudar a vida de autores (autorismo), dividir um conjunto de obras em Movimentos literários distintos. O historicismo não é estranho a nínguem pois trata-se de corrente crítico teórica mais difundida nos sistemas de ensino, uma grande obra literária era aquela que melhor refletisse o "espírito de uma época", pois quais são as características da literatura renascentista? Exatamente as mesmas características do período histórico chamado "Renascimento", confudia-se a historiografia com o estudo de uma obra literaria, que em última instancia relegava a literatura um papel de fonte histórica e produto de processos históricos exógenos a sua prática. A Teoria Literária propunha o rompimento com o historicismo, criando seus próprios conceitos, que de uma obra eram criados e que a ela se voltavam de forma análitica, era a literatura explicando a si mesma. Primordialmente uma "Teoria do RPG" é isto, o RPG explicando a si mesmo.
Existem inúmeros trabalhos acadêmicos que se debruçam sobre a prática do rpg, das mais diversas áreas do conhecimento humano, e apesar de tal diversidade, todos esses estudos guardam entre si uma característica comum, objetificam o RPG. Os verdadeiros sujeitos estão no corpo teórico de tais disciplinas, sendo o rpg um objeto de estudo, tal qual um catédratico literário do século passado, por meio deles poderá alguém tornar-se maior autoridade mundial no assunto, e ainda assim ser incapaz de escrever três linhas de um conto, fazer literatura. Conhecimento passivo por natureza, de cunho logocêntrico, que faz do rpg fenômeno, a ser descrevido e compreendido. Portanto qualquer abordagem que objetifique o RPG, rejeitamo-lá.
Com a internet e o advento de diversos mecânismos de buscas não é dificil ter acesso a tais conhecimentos, um exemplo já numeroso são estudos pedágogicos a respeito do RPG, aonde o rpg é primeiro objetificado e visto com um carater instrumental, iniciativas tentam introduzir o RPG na sala de aula como sendo um meio a transmitir esse ou aquele conhecimento, ou a desenvolver esta ou aquela habilidade. Uma postura radical é opor-se a tais iniciativas, o RPG se colocado dentro de sala de aula, deve ser como um meio de ensinar a fazer RPG, e com próposito nenhum outro além daquele de ser praticado, o RPG como um fim em si mesmo, com seu próprio corpo teórico... Pelas lentes de uma "Teoria do RPG" não se trata de erigir caudalosos tratados de estética para responder a questão se o RPG é ou não arte, e sim erigir caudolos tratados de RPG para responder se a arte é ou não RPG. 
O RPG que objetificara o mundo, pois todo o resto é fenômeno.
De Johan Huizinga em seu livro HOMO LUDENS, matris para todas as abordagens posteriores, extrai-se: "O jogo é uma necessidade fisiológica do ser humano, não é o ato de jogar um reflexo da cultura, mas toda  a cultura um reflexo do jogo, a aspecto de jogo na política, na guerra, na ciência, na arte...". O que também se observa na recente "Gamificação",  uma ciência que emerge para extrair o "gameplay/mecânica" de toda e qualquer atividade humana... 

Detratar-se-á, logicamente, tal saber: "Critics note that The Big Model (uma modelo de teoria do RPG) does not appear to address the academic, political and aesthetic concerns common to literature and theatre" . Uma Teoria do RPG não busca compatibilizar-se com outros saberes, mas a eles se opor, e com eles disputar, lutar por espaço. Não se trata também de negar qualquer abordagem anterior feita a respeito do rpg, mas considerar de que forma dado conhecimento pode ser utilizado no ato de jogar, ou como ferramenta no design de jogos, e todos os outros: as chamas! Como diz Christopher I. Lehrich em seu artigo "Discurso Ritual nos RPG's"  : "RPG theory hopes to serve a constructive function, rather than a purely analytical one: where the anthropologist for example traditionally understands herself as necessarily exterior to the people and situations she analyzes, the RPG theorist wishes to employ the results of his analysis to improve his own gaming."  .